Acordo de paz promovido pela China entre Irã e Arábia Saudita é um grande golpe contra o petrodólar e a hegemonia dos EUA
Ambos os importantes produtores estão discutindo sobre vender energia em outras moedas
Artigo originalmente publicado no Geopolitical Economy Report em 23/3/23. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247
A China surpreendeu o mundo em 10 de março, ao anunciar que havia patrocinado com sucesso as conversações de paz entre os rivais Arábia Saudita e Irã.
Quatro dias de negociações secretas em Pequim levaram a um acordo histórico no qual as duas nações da Ásia Ocidental normalizaram as suas relações, após sete anos tensos sem quaisquer laços diplomáticos.
Anteriormente, o Iraque havia promovido conversações de paz entre a Arábia Saudita e o Irã, porém estas foram sabotadas em janeiro de 2020, quando o presidente estadunidense Donald Trump ordenou um ataque de drone para assassinar o alto oficial iraniano Qasem Soleimani, que estava envolvido nas negociações.
O avanço diplomático da China faz parte de um processo maior de integração asiática e constitui um passo na direção de trazer o Irã e a Arábia Saudita para o sistema BRICS e instituições como a Organização para Cooperação de Xangai (OCX).
Além de encorajar a estabilidade e a paz numa região devastada por décadas de guerras e intervenções dos EUA, este acordo terá enormes repercussões econômicas em todo o planeta.
Mais tangivelmente, o acordo é um golpe significativo ao sistema do petrodólar que os EUA usaram para manter o dólar como reserva monetária global, ameaçando assim o próprio alicerce da sua hegemonia econômica.
A Arábia Saudita tem sido por um longo tempo uma das principais produtoras de petróleo do mundo, dentre as três maiores (juntamente com os EUA e a Rússia). O Irã tem estado consistentemente entre os 10 maiores produtores de petróleo crú.
Enquanto a líder de facto da OPEC, a Arábia Saudita exerce uma influência significativa sobre o preço do petróleo no mercado global. Desde aos anos de 1970, Riad concordou em vender o seu petróleo cru em dólares, investindo-os depois estes petrodólares em títulos do Tesouro dos EUA, ajudando assim a fortalecer o valor do papel verde e aumentando a demanda global pela moeda estadunidense.
Mas o sistema do petrodólar está enfrentando novos desafios. Em janeiro, o governo saudita confirmou publicamente que está considerando vender petróleo em outras moedas.Esta declaração veio apenas algumas semanas após o presidente chinês Xi Jinping fez uma viagem histórica a Riad. Lá, Pequim assinou acordos com o Conselho de Cooperação do Golfo (CCG) e a Liga Árabe.
Xi anunciou que a China estaria comprando petróleo e gás da região do Golfo Pérsico com a sua própria moeda, o renmimbi, não em dólares.
“A China continuará a importar grandes quantidades de petróleo cru dos países do CCG, expandindo as importações de gás liquefeito de petróleo... e fazendo pleno uso da Bolsa de Petróleo e Gas Natural de Xanghai para realizar a liquidação do comércio de petróleo e gás em yuan”.A viagem de Xi a Riad foi um retumbante sucesso, quando comparada com a tentativa de Joe Biden de fazer um “recomeço” em julho de 2022. A foto do presidente dos EUA recusando-se apertar mãos e, ao invés disso, de tocar os punhos com o governante saudita de facto, o príncipe herdeiro Mohammad bin Salman (MBS), foi um símbolo de uma viagem que foi amplamente criticada como um insucesso diplomático.
Naquele momento, Biden estava lutando com uma significativa inflação no índice de preços ao consumidor nos EUA e com as eleições de meio de mandato no horizonte. O presidente estadunidense pressionou MBS para aumentar a produção de petróleo, numa tentativa de reduzir preços, mas a Arábia Saudita e a OPEC+ se recusaram a fazer isso.
O afastamento gradual de Riad do seu papel histórico, firmemente abrigado no centro do campo liderado pelos EUA, reflete uma tendência global maior na direção de um mundo multipolar.
A Arábia Saudita e outros estados do Golfo Pérsico estão adotando uma política mais não-alinhada que contrabalança os EUA e a Europa contra a China e a Rússia.
Isto também é um resultado da crescente importância econômica da China como a maior economia do mundo (segundo a medida de paridade do poder de compra, que é mais precisa que o PIB nominal).
A China é o maior parceiro comercial tanto da Arábia Saudita quanto do Irã. Pequim desfruta de relações próximas com as nações da Ásia Ocidental.
No seu comunicado escrito anunciando o acordo de paz, o Ministro das Relações Exteriores descreveu a China como um “amigo confiável dos dois países”.O Irã e a Arábia Saudita se registraram formalmente para entrarem no bloco extensivo do BRICS+, juntamente com os membros fundadores Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.Atualmente, os BRICS estão planejando “desenvolver um sistema mais justo de câmbio monetário” para enfraquecer a “dominação do dólar”, revelou em janeiro o Ministro de Relações Exteriores da África do Sul, Naledi Pandor.Como parte deste processo, os BRISC estão considerando criar uma nova moeda internacional de reserva, baseada numa cesta de moedas dos seus membros.
Enquanto os BRICS buscam integrar economicamente o Sul Global, a massiva Iniciativa da Nova Rota da Seda (Iniciativa do Cinturão e Rota — ICR) da China proverá a infraestrutura física para fazê-lo. E tanto o Irã quanto a Arábia Saudita também são partes importantes do ICR.
Complementando o sistema dos BRICS está a OCX, que congrega a China, a Índia, o Paquistão, a Rússia e numerosas repúblicas da Ásia Central numa associação massiva que representa dois-quintos da população global e mais de um-terço do PIB mundial.
O Irã está no processo de tornar-se um membro titular da OCX. O Secretário-Geral da organização, Zhang Ming, visitou Teerã em março. Ele se encontrou com o presidente iraniano Ebrahim Raisi, que “descreveu a OCX como a maior organização regional internacional do mundo, que desempenha um papel importante para a manutenção da segurança e estabilidade regional e global”.Em 2021, a Arábia Saudita se tornou um parceiro oficial de diálogo com a OCX, um passo na direção de tornar-se um membro titular. Catar e Egito fizeram o mesmo em 2022.
BRICS+: uma potência global de commodities
Se todos estes países podem estar econômica e politicamente integrados, o bloco do BRICS+ expandido seria a potência de commodities do mundo.
Os membros-fundadores dos BRICS Rússia, China e Brasil estão entre os 10 maiores produtores de petróleo do mundo, juntamente com a Arábia Saudita e o Irã.
Se as nações da Ásia Ocidental entrarem se tornarem membros titulares, os BRICS+ incluirão pelo menos a metade dos 10 maiores produtores de petróleo do mundo, representando mais de um-terço da produção global de petróleo.
Também a OPEC se tornará uma parceira natural dos BRICS, dado o papel-chave da Arábia Saudita na organização, juntamente com a voz influente da Rússia na OPEC+ expandida.
Não é apenas o petróleo que é central nesta mudança geopolítica. Também o gás e outras commodities são cruciais.
A Rússia é o segundo maior produtor de gás natural do mundo. O Irã é o terceiro, a China, o quarto, e Catar é o quinto.
A Argélia, que também expressou interesse em tornar-se membro do BRICS+, é um importante produtor.
O Catar está amarrado aos EUA como o maior produtor de gás natural liquefeito (GNL) na Terra. A Argélia está nos 10 maiores.
Esta aliança é profundamente complementar. A China é o maior consumidor de petróleo e um dos maiores importadores de gás.
Já há mais de uma década, a China comprou mais petróleo da Ásia Ocidental do que os EUA. Pequim importa um-terço dos seus recursos energéticos, especificamente da região do Golfo Pérsico.
E, à medida que o planeta transita para libertar-se dos combustíveis fósseis para tecnologias de energias renováveis, os minerais se tornarão cada vez mais importantes. Os países curiosos sobre o BRICS também estão muito bem colocados aqui.
O Brasil é o segundo maior produtor de minério de ferro, seguido pelos outros membros do BRICS China, Índia, Rússia e África do Sul em terceiro, quarto, quinto e sétimo lugares, respectivamente. Potencial membro dos BRICS, o Irã é o oitavo maior.A China e o Brasil são os maiores produtores de lítio, o “ouro branco” necessário para baterias. Então, também o é a Argentina, que se inscreveu para participar dos BRICS+ e participou das reuniões de cúpula do bloco em 2022.O Irã anunciou em março que também encontrou reservas significativas de lítio, poderia se torar o segundo maior produtor do mundo.
O que tudo isso mostra é que, ao estender e incluir países como a Arábia Saudita e o Irã como novos membros, o BRICS+ poderia se tornar uma potência das commodities, com significativa influência nos mercados globais.
Nada disso teria sido possível se a Arábia Saudita e o Irã estivessem em guerra entre si. Agora eles normalizaram as suas relações, a integração asiática provavelmente irá adiante a todo vapor.
O petrodólar encontrou o seu igual?
A Conferência de Bretton Woods em 1944 estabeleceu o dólar estadunidense como a moeda global de reserva. Naquela época, o dólar estava vinculado ao ouro, com um preço de US$ 35 por onça troy, tornando-o tão bom quanto o ouro.
Os gastos militares dos EUA nas suas guerras na Coreia, no Vietname e outros lugares fizeram as reservas de ouro de Washington diminuírem. Então, em 1971, o presidente Richard Nixon acabou unilateralmente com a conversibilidade do dólar em ouro, transformando o papel verde em uma moeda fiduciária flutuante.
Isto levou a um período de instabilidade, agravado mais ainda pelo embargo do petróleo da OPEC em 1973.Em 1974, Nixon enviou o seu Secretário do Tesouro, William Simon, à Arábia Saudita. A “meta” da viagem, como explicou a agência Bloomberg, foi de “neutralizar o petróleo cru como uma arma econômica e encontrar uma maneira de persuadir” a Arábia Saudita a “financiar o crescente déficit dos EUA com a sua recém-descoberta riqueza em petrodólares”.
Washington assinou um acordo histórico com Riad, prometendo proteger a monarquia do Golfo em troca da venda exclusiva do petróleo da Arabia Saudita em dólares, depositando estes petrodólares em bancos comerciais estadunidenses e investindo em títulos do Tesouro dos EUA.
Bloomberg explicou: “O esquema básico era surpreendentemente simples. Os EUA comprariam petróleo da Arábia Saudita e proveriam o reino com ajuda militar e equipamento. Em troca disso, os sauditas colocariam bilhões das suas rendas de petrodólares em títulos do Tesouro e financiariam os gastos dos EUA”.
Este sistema de petrodólares ajudou a garantir a demanda global pelo dólar estadunidense, porque os países que importavam petróleo e outras commodities precisavam de dólares para pagar por estes.
Como o economista Michael Hudson mostrou no seu livro “Super Imperialism’’, o inchaço do déficit da conta-corrente dos EUA era quase inteiramente devido aos gastos militares, porque Washington travava uma guerra após a outra e construiu uma constelação de bases no estrangeiro no globo inteiro.
Para a maioria dos países, tal déficit consistente e de longo-prazo levaria a uma desvalorização da sua moeda nacional e a problemas econômicos relacionados. Mas não para os EUA, em parte graças ao sistema do petrodólar.
O status do dólar como moeda global de reserva e a constante demanda de dólares para a importação de petróleo e outras commodities concedeu aos EUA um “privilégio exorbitante” que lhes permitiu manter o seu massivo déficit em conta-corrente (importando significativamente mais do que exportando).
No entanto, a crise financeira de 2008 inspirou alguns países a pensarem sobre alternativas. Especificamente, a China flutuou a ideia de destituir o dólar estadunidense como moeda global de reserva.
O governador do banco central da China, Zhou Xiaochuan, publicou um livro branco em 2009, argumentando que “novamente, a crise pede uma reforma criativa do sistema monetário internacional existente, indo na direção de uma moeda internacional de reserva com um valor estável, com emissão baseada em regras e abastecimento gerenciável, de modo a cumprir o objetivo de salvaguardar a estabilidade econômica e financeira global”.
As crescentes sanções ocidentais sobre a China e seus aliados, como a Rússia, o Irã e a Venezuela, apenas incentivaram Pequim mais ainda a buscar novas alternativas financeiras.
As instituições dominadas pelos EUA, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), tomaram nota disso. Em 2022, um relatório do FMI advertiu sobre “a erosão da dominação do dólar”, reconhecendo que as quotas de reservas de câmbio dos bancos centrais em todo o mundo, mantidas em dólares, haviam encolhido de 70% para 60% nas duas décadas anteriores.
Esta não foi uma diminuição massiva, mas faz parte de uma tendência contínua de acelerar-se, enquanto os EUA travam uma nova guerra fria com a China e a Rússia
Segundo o Federal Reserve, o dólar estadunidense está envolvido em cerca de 80% do comércio internacional, mas isto varia muito dependendo da região.
O uso de outras moedas para o comércio na Ásia está aumentando, à medida que os países visados pelas sanções ocidentais unilaterais desenvolvem novos mecanismos para comercializar com as suas moedas nacionais.
Por mais de uma década a China já está usando o yuan para comprar petróleo do Irã.Depois que o governo de Donald Trump sabotou unilateralmente o acordo nuclear com o Irã — o Plano de Ação Conjunto Global (PACG) – em 2018, a agência Reuters assinalou que as recém-impostas “sanções poderiam fazer avançar os ‘petro-yuan’ da China’”.
A guerra por procuração da OTAN contra a Rússia na Ucrânia foi uma injeção de adrenalina no braço da desdolarização. As sanções sem precedentes dos EUA e da União Europeia (UE) levaram Moscou a desenvolver novos arranjos financeiros com os seus maiores parceiros comerciais na Ásia.
A Rússia fez os importadores do seu gás pagarem em rublos, enquanto usa moedas locais no comércio bilateral com países como a Índia e o Irã.A China também está conduzindo cada vez mais o comércio bilateral com a Rússia em yuan.
Levou algum tempo, mas a chamada que o Banco Popular da China fez em 2009 por um novo sistema monetário internacional agora está entrando em fruição.
E se Pequim for séria em desafiar a hegemonia do dólar estadunidense, a Arábia Saudita é um ator-chave que ela precisa ao seu lado.
Antes do marco do acordo de paz de março, a China estava preocupada de que teria que escolher entre o Irã ou a Arábia Saudita. Agora, ela pode manter boas relações com ambos.
A integração asiática se acelera
A normalização dos laços entre Teerã e Riad é um desenvolvimento significativo de uma processo mais amplo de integração asiática. (Isto é frequentemente referido com ‘Integração Eurasiana”, mas, essencialmente, a Europa expulsou politicamente a Rússia do continente por causa da guerra por procuração na Ucrânia, levando Moscou a buscar laços mais próximos com os seus vizinhos asiáticos).
Na sua obra de 1997 “The Grand Chessboard: American Primacy and Its Geostrategic Imperatives”, o estrategista imperial estadunidense Zbigniew Brzezinski advertiu que “o cenário mais perigoso” para a hegemonia unipolar de Washington “seria uma grande coalizão da China, da Rússia e talvez do Irã, uma coalizão ‘anti-hegemônica’”.
As sanções e políticas agressivas dos EUA contra estas três potências as empurraram a unirem-se exatamente da maneira que Brzezinski temia.
Em 2021, a China e o Irã assinaram um histórico acordo de parceria econômica e estratégica por 25 anos, estimado em US$ 400 bilhões. Reportando sobre o acordo, a revista Forbes resumiu: “uma poderosa mudança ameaça a energia ocidental”.
O presidente iraniano Ebrahim Raisi fez uma importante viagem à China em fevereiro de 2023. Esta foi a primeira visita de um presidente iraniano em 20 anos.
Em um comunicado sobre a reunião, o Ministério de Relações exteriores de Pequim afirmou: “A China sempre vê e desenvolve relações com o Irã desde uma perspectiva estratégica, não importando como a situação internacional e regional mude; a China permanecerá firme no desenvolvimento da cooperação amistosa com o Irã e avançando a parceria estratégica compreensiva Chine-Irã.
Condenando os ataques dos EUA contra o Irã, “Xi Jinping enfatizou que a China apoia o Irã em salvaguardas a sua soberania, independência, integridade territorial e dignidade nacional, apoia o Irã em resistir ao unilateralismo e o bullying, se opõe às forças externas que interferem nos assuntos internos do Irã e minam a sua segurança e estabilidade”.
A China e a Rússia já são aliados próximos, com uma parceria estratégica compreensiva que eles dizem “não ter limites”. Mesmo com as sanções ocidentais sem precedentes impostas à Moscou em 2022 sobre a guerra por procuração na Ucrânia, a China declarou que a Rússia é o “seu parceiro estratégico mais importante” e chamou a sua amizade como sendo “sólida como uma rocha”.Ao mesmo tempo, o Irã e a Rússia estão aprofundando a sua integração, em especial economicamente. Os dois países estão construindo rotas comerciais para contornar as sanções ocidentais”.
O Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul (CITN) multibilionário ligará o porto de Mumbai na Índia ocidental ao porto de Bandar Abbas no sul do Irã, quando os bens viajarão para o norte em redes férreas, passando através do Mar Cáspio e chegando até a Rússia.
O CITN não só eliminará a necessidade de que os produtos transitem através do Mar Mediterrâneo; ele também reduzirá à metade o tempo médio de trânsito de 40 – 60 dias para apenas 25 – 30 dias, enquanto reduz os custos por aproximadamente 30%.
A China, a Rússia e o Irã também estão desenvolvendo alternativas ao sistema interbancário SWIFT, o qual é dominado pelos EUA.
Como parte da guerra por procuração na Ucrânia em 2022, os EUA e a UE desconectaram diversos bancos russos do SWIFT — uma decisão escandalosa que foi chamada de “opção financeira nuclear”Em resposta à isto, em janeiro de 2023, os bancos centrais do Irã e da Rússia fizeram um acordo para integrar os seus sistemas interbancos de comunicação e transferências, conectando 52 ramos dos bancos iranianos que usam o sistema SEPAM do Irã a 106 bancos que usam o Sistema de Transferência de Mensagens Financeiras da Rússia.
Até Riad está se aproximadamente a Moscou.
Em 2021, a Arábia Saudita e a Rússia assinaram um acordo de cooperação militar. Riad também tem comprado equipamentos militares significativos de Moscou.O embaixador da Rússia na Arábia Saudita disse à mídia estatal Sputnik em 2023 que Riad “mantém um diálogo regular e de confiança no mais alto nível”, adicionando que as relações dos dois países têm “uma perspectiva real de alcançar o nível de uma parceria estratégica”.
A diplomacia da China poderia ajudar a alcançar a paz e a estabilidade na Ásia Ocidental, após décadas de guerras dos EUA
Claramente, apesar do avanço diplomático da China, ninguém espera que a monarquia saudita se torne uma amiga do Irã e que se una ao Eixo de Resistência anti-imperialista.
Dito isto, o equilíbrio de Riad nas relações com Washington e Bruxelas, por um lado, e Pequim e Moscou do outro, reflete a transição na direção de um mundo multipolar.
As monarquias do Golfo Pérsico, que foram por muito tempo cientes leais dos EUA, têm se movido gradualmente na direção de uma política externa mais não-alinhada.
Certamente, existem certas diferenças ideológicas profundas entre a corrente Wahhabi e os ultraconservadores do Islã Sunita patrocinados pelos estados do Golfo e a teologia revolucionária de libertação Shia promovida pelo Irã.
Mas a normalização das relações de Riad com Teerã é um sinal de que a animosidade do reino com relação à República Islâmica foi muito mais motivada pela pressão geopolítica dos EUA do que pelas suas discordâncias religiosas.
Washington tem buscado uma mudança de regime em Teerã desde que a revolução do povo iraniano em 1979 derrubou o ditador do país apoiado pelo Ocidente. E os EUA há muito tempo veem a Arábia Saudita como uma aliado-chave, até mesmo um procurador, necessário para impor a sua “campanha de pressão máxima” contra o Irã.
Durante décadas de sanções unilaterais ilegais, constantes operações de desestabilização e uma implacável guerra de informações e propaganda, os EUA têm tentado desesperadamente fazer do Irã um estado-pária.
A China neutralizou eficazmente esta estratégia dos EUA ao intermediar a paz entre arquirrivais da Ásia Ocidental.
O ultraje em Israel reflete a crescente tomada de consciência de que o Irã não foi isolado. O regime de Benjamin Netanyahu está furioso. Tel Aviv vê o acordo de paz como uma ameaça, porque ele frustra os seus planos de dividir os árabes e os iranianos, os Sunitas e os Xiitas.
Os EUA passaram anos tentando formar uma aliança entre Israel e os estados árabes do Golfo Pérsico contra o Irã. O governo de Donald Trump teve uma vitória em 2020 com a assinatura dos chamados Acordos Abraham, que foram principalmente simbólicos, mas formalizaram as relações diplomáticas entre os Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Israel.
O fato de que os EUA e Israel veem as conversações de paz da China entre o Irã e a Arabia Saudita como uma ameaça demonstra a diferença fundamental entre as políticas de Pequim e Washington.
A China quer estabilidade na região, aprofundar a integração econômica e o comércio. No comunicado de Pequim sobre as negociações, o alto diplomata Wang Yi salientou o fato que “a melhoria das relações entre a Arábia Saudita e o Irã pavimentou o caminho para a realização da paz e estabilidade no Oriente Médio”.
Wang adicionou que “a China apoia os países do Oriente Médio na defensa da autonomia estratégica, o fortalecimento da solidariedade e da cooperação, livrando-se das interferências externas e efetivamente manter o futuro do Oriente Médio nas suas próprias mãos”.
Esta abordagem não poderia ser mais diferente da política exterior dos EUA com relação à região, a qual deriva de um impulso obsessivo para desestabilizar e controlar, para fazer avançar os objetivos geopolíticos da Doutrina Wolfowitz, para manter “a dominação de espectro total”, de promover mudanças de regime em “sete países em cinco anos”.Apenas nas duas décadas desde o dia 11 de setembro de 2001 (ataques às torres-gêmeas de NY), as guerras dos EUA contra o Iraque, o Afeganistão, a Líbia, a Síria e o Iêmen mataram milhões de pessoas, criaram dezenas de milhões d refugiados e devastaram países inteiros.
Washington e os seus aliados atiçaram intencionalmente o sectarismo, fazendo surgir os grupos extremistas Salafi-jihadistas como o al-Qaeda e o ISIS.
Países como o Iraque, a Síria e o Líbano, em particular, sofreram pesadamente deste conflito sectário.
Agora que a Arábia Saudita e o Irã normalizaram relações, estas nações-campo-de-batalha são as mais beneficiadas.
Esta é uma razão-chave pela qual o próprio Irã passou anos tentando intermediar um acordo. Mas, de novo, o governo dos EUA sabotou intencionalmente a iniciativa de paz de Bagdá ao assassinar Qasem Soleimani em janeiro de 2020, quando o alto general iraniano estava negociando com a Arábia Saudita.
Graças à diplomacia da China, a guerra no Iêmen pode finalmente chegar ao fim, após nove anos.
A macabra campanha de bombardeio da Arábia Saudita, patrocinada pelos Estados Unidos e a Grã-Bretanha, matou centenas de milhares de iemenitas e desencadeou a maior catástrofe humanitária da Terra.
A Ásia Ocidental indiscutivelmente será a primeira região a se beneficiar com o avanço diplomático entre a Arábia Saudita e o Irã. Mas as implicações geopolíticas e econômicas são verdadeiramente globais.
Dentro de décadas, os historiadores provavelmente olharão para trás e verão este acordo como um divisor de águas, refletindo o novo papel da China no palco global como uma negociadora da paz, simbolizando o fim da hegemonia unipolar dos EUA e o surgimento de um mundo multipolar.
* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor, e não reflete a opinião do Brasil 247.
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